Liberdades em risco: quem ganha e quem perde?
Grupos antigênero e desigualdades na América Latina e no Caribe
Os avanços em direitos humanos e democracia na América Latina e no Caribe enfrentam hoje uma forte represália articulada por grupos anti-direitos. Estes se configurando como alianças estratégicas entre elites econômicas, setores políticos conservadores e fundamentalismos religiosos, unidos por um objetivo comum: restringir direitos e garantir a concentração de poder e riqueza [1].
A extrema desigualdade de poder e riqueza está demonstrando que a economia de mercado e as democracias (em muitos casos capturadas) não conseguiram cumprir suas promessas de bem-estar econômico, inclusão social e participação política. Por isso, a América Latina é a região mais desigual do mundo, onde 1% dos mais ricos concentra 55 vezes mais riqueza do que 50% dos mais pobres. Essa desigualdade tem rosto masculino na acumulação de riqueza, enquanto a pobreza afeta principalmente as mulheres, sobretudo as jovens, rurais, afrodescendentes e indígenas (OXFAM, 2024).
Além disso, as tendências neoliberais que marcam as agendas políticas dos nossos países atualmente pretendem posicionar a figura de um “Estado mínimo” [2] (CEPAL, 2017, p. 203), cujos efeitos são o corte de verbas e/ou a eliminação de políticas que garantem os direitos e a proteção social dos cidadãos. Assim como também despolitizar e produzir o fechamento do espaço cívico onde os movimentos sociais, feministas, LGBTQIAPN+ e de direitos humanos tecem alianças para articular demandas e políticas mais inclusivas e justas. Exemplo: Miley na Argentina, Bukele em El Salvador.
Os grupos anti-direitos sustentam seu avanço por meio de narrativas simplificadas e emocionais que instrumentalizam a chamada “ideologia de gênero” como inimigo comum, mobilizando medos e mal-estares sociais para legitimar discursos de ódio e criminalizar movimentos feministas, LGBTQIAPN+ e de direitos humanos [3].
Seu projeto se sustenta na reprodução e no aprofundamento das desigualdades de gênero, raciais e socioeconômicas. A estrutura patriarcal da família funciona como um instrumento de controle: as mulheres assumem a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados não remunerados e precários, o que limita sua autonomia econômica e restringe sua participação política. Na região, 27% das mulheres não têm renda própria e mais de 50% trabalham sem acesso à previdência social, perpetuando um ciclo de dependência econômica (CEPAL, 2025).
Essas estratégias também deslegitimam espiritualidades ancestrais, impondo valores religiosos hegemônicos que apagam identidades coletivas e enfraquecem a diversidade cultural. Ao mesmo tempo, elas se valem da manipulação da liberdade de expressão para difundir ódio e desinformação, controlando meios tradicionais e redes digitais por meio de bots, laboratórios de ideias e mensagens empacotadas que apelam para o suposto “bom senso” [4].
Diante desse cenário, o relatório busca fazer um apelo à ação, fortalecer a ação coletiva dos movimentos feministas e LGBTQIAPN+, gerar alianças intersetoriais e recuperar o poder transformador de narrativas que convoquem a esperança, a igualdade e a justiça. Desmantelar essas redes de poder requer a articulação de estratégias jurídicas, políticas e culturais para garantir Estados inclusivos, redistribuir recursos e superar um modelo de desenvolvimento extrativista e patriarcal que hoje beneficia poucos, enquanto perpetua múltiplas desigualdades para a maioria.
[1] Econonuestra, Oxfam LAC, 2024, pag.30
[2] Consensos y conflictos en la política tributaria de América Latina, CEPAL, 2027, pag. 203
[3] IM-Defensoras, una mirada Mesoamérica: defender la vida en territorio hostil, 2023.
[4] Narrativas sobre ¨ideologia de género¨ una amenaza para los derechos humanos, AWID, 2022
